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MELANCOLIA

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Naquele fim de tarde, o sol diminuía o seu tamanho no horizonte, formando um disco alaranjado, enquanto dois amantes sentados na pedra, assistiam à chegada do entardecer. - Veja, daqui a pouco um super planeta entrará em rota de colisão com a Terra. - É o planeta Melancolia, respondeu a amante, e esse já colidiu; faz tempo. - Quando? - Quando nos deixamos! - Mas eu nunca deixei você! - Você escolheu outra pessoa e me deixou! - Daqui a pouco um super planeta entrará em rota de colisão com a Terra. Não é hora de trazer o passado de volta. Repetiu ele. - Não entrará. Já colidiu! - Você só não diz quando foi isso! - Ora, por acaso, você sabe onde estava antes de nascer? - Antes de nascer? Isso é muito filosófico para mim, disse ele, com o olhar fixo para a chama do sol, findando atrás da montanha. - A colisão aconteceu quando seus pais se amaram! - Então eu não existia nesse momento? - Não! - Então me responda para onde vamos depois da morte? - Par

A LUA ESCUTA SAX

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Era noite de sábado, perto das onze horas, quando peguei o conversível preto e segui estrada. No painel de combustível a agulha vermelha balançava freneticamente. Um saxofonista tocava ao longe. Curvei a pista e segui na direção Sul. As nuvens espessas no céu cobriam a lua como uma cortina que se fecha após o espetáculo, mas a lua ressurgia teimosa a radiar sua luz pela longa estrada, explorada pelos faróis. Eu queria encontrá-lo e parei no primeiro posto de gasolina para abastecer. Estacionei. Desci do carro para esperar no restaurante em frente ao posto, sentei numa mesa distante, abri o jornal para disfarçar e pedi uma garrafa de vinho. Ele entrou com os dois amigos e riam obstinadamente. O garçom serviu o cardápio. Fiquei a observá-los em silêncio, degustando pouco a pouco a taça de vinho. Os três amigos não demonstravam pressa, passadas as horas, as pessoas começavam a sair do restaurante para pegar estrada, e antes que notassem a minha presença fui para o carro. Do lado de

METAMORFOSE

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                  Quando acordei numa manhã de chuva, avistei do meu quarto uma borboleta imensa na porta da sala. Ela batia as escamas de seda lentamente entre uma parede e outra, e eu levantei assustado. Fui em sua direção para tocá-la e minhas digitais ficaram cravadas. Afastei-me para trás pausadamente. Nunca tinha visto uma coisa daquelas. Corri para cozinha e peguei uma vassoura para espantá-la, mas não havia saídas, pois as janelas estavam trancadas. A borboleta me encarava com seus olhos de jabuticaba e batia as antenas no teto, soprando cinzas opacas. Pensei que poderia ser até uma mariposa, mas não tinha feiura, a sua beleza desejava uma música de violino. A chuva lá fora caia e decidi chamar algum vizinho. Fui até os fundos da casa e um besouro enorme e cascudo estava acoplado na tramela. De repente tive a ideia de colocar fogo nos jornais velhos que ficavam dentro do armário da pia.   Peguei o fósforo em cima do fogão, fiz um calhamaço com os jornais e acendi a chama p

AS CORTINAS

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Meu sonho era ser diretor de cinema. Desde a infância brincava com câmeras feitas de papelão. Eu brincava muito, filmando amigas como personagens de uma novela que só existia na minha imaginação. Infelizmente, nasci no Brasil e não me tornei cineasta. Na juventude, antes da universidade, conheci um amigo que tinha uma câmera CANON profissional e ele me pediu que eu o fotografasse pelos arredores da casa. A partir desse dia me apaixonei perdidamente pela densidade da câmera, o peso, a lente e a leveza da fotografia. E como num passe de mágica muitas pessoas começaram a me solicitar trabalhos fotográficos. Eu, inúmeras vezes, recusava pela insegurança de nunca ter feito um curso para fotógrafo. As minhas primeiras fotos disparadas na objetiva não tinham sequer planejamento de ângulos, e na revelação, ficavam tão graciosas que nem acreditava que foram mesmo feitas por mim. Comprei uma câmera e não parei mais até o dia em que decidi me aceitar como escritor. Abandonei a câmera.

IMACULADO CORAÇÃO

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            Nas cidades do interior as crenças e imaginários populares têm uma força atemporal. Dona Lili foi até a casa de Crepício de manhã cedo, pedindo para ser rezada de mau-olhado. – Seu Crepício, seu Crepício, eu vim aqui para o senhor me rezar... Ela chamava do portão sem cessar e nada de Crepício responder. A voz de dona Lili era a voz mais engraçada da cidade. Uma voz singular. Os vizinhos ouviam os chamados de dona Lili e corriam para porta espiar a velha borocoxô.   – Seu Crepício, seu Crepício, eu vim aqui para o senhor me rezar... Balançava as grades do portão, aumentando o tom da voz que ficava mais cômica à medida que o grave subia. – Seu Crepício, seu Crepício, eu estou com uma mufina dos diabos. Abre a porta para me rezar pelo amor da Virgem Maria. O velho Crepício era conhecido como o melhor rezador da região, casado com uma mulher de muito respeito que pertencia ao Apostolado do Coração de Maria. Dona Lili gostava de receber os ramos na casa dele

CIDADE NATAL

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         Eu moro no interior da Bahia, numa pequena cidade, muito famosa pelas festas juninas. O nome da cidade é Amargosa, foi batizada com esse nome devido ao assassinato hediondo de pombas, cometido por caçadores da região, que quando experimentaram a carne, sentiram a amargura do crime jamais perdoado. Aqui também já mataram muitos animais sagrados como asnos. A cidade é boa para viver, mas tem data de validade. Você experimenta licores doces e amargos e uma generosidade sem fim. Os turistas são os que mais gozam da cidade. Amargosa é movimentada durante o dia, mas às sete da noite, nenhuma “alma viva” nas principais ruas. Não havia violência nenhuma. Os assaltos a bancos tinham transmissão ao vivo pelo rádio. Eu amava assaltos. Quem estava no banco, naquela hora, ficava logo famoso. O homem mais rico de Amargosa é um senhor que aparenta uns setenta anos bem vividos. Ele é dono de um grande supermercado, e todos os dias, usa a mesma calça jeans surrada com camisa quadricula

MUNDOS CIRCULARES

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   Você se lembra do nosso beijo pela primeira vez, no parque de diversões, sentados na roda gigante em São Francisco? A vida se iniciou de uma forma mais plena para nós dois. Depois daquela noite de claridade opaca, assistindo ao céu estrelado do alto daquelas rodas iluminadas que giravam em torno do mesmo eixo – suspensas em duas torres verticais – os anos se passaram tão depressa, e lá no fundo a gente sabe que ainda resta alguma coisa, ainda sem nome, a qual nos prende dentro de um círculo invisível nos fazendo girar até os nossos corpos se chocarem brutalmente. Por todas às vezes que tentamos fugir desse anel gigante, acende-se uma lâmpada de intensidade tão forte que o não-retorno para dentro do círculo pode cegar os nossos olhos por toda a eternidade. O medo é tão intenso que a força gravitacional da Lua nos empurra em direção a ela. Não se engane assim, a lua sabe de todos os segredos e caímos, sem perceber, novamente, dentro do círculo. Dentro dessa esfera circular nossos co